Últimas Notícias
recent

Quando a pessoa faz cigarro


Existiu um poeta que tinha uma alma cheia de faltas. A palavra, depois de escrita no papel passava lhe fazer falta na mente.
A emoção, depois que ganhava um nome, um sentido, passava a lhe fazer falta no coração.
Quando o poeta sentia falta, ele acendia um cigarro. E fumando tentava aquiescer a mente e aquecer o coração. E brincava com a fumaça que se esvaia, e sentia falta da fumaça. Sem pressa ia saboreando cada inalação.

“Tem que parar de fumar”, ouvira certa vez de um ex-amigo.

“Se quiser sobreviver até a edição do teu próximo livro, deves diminuir o cigarro”, disse um ex-editor.

Não era aconselhável tentar tirar o cigarro do poeta. Era preciso tirar a falta que sentia o poeta para que lhe caísse o cigarro. Mas que é o poeta sem a nostalgia e a melancolia? A falta construía os seus sorrisos de canto de boca, o abraço apertado de carência, mesmo estando enamorado o poeta era carente.
Não carente de sexo, nem de amor. Carente de falta. Se se enchia muito, estafava, era preciso menos. A ausência no poeta vira verso. E soltava alguma coisa, deixava ir, sentia falta, acendia um cigarro, fazia um verso.

Aquele poeta quando amava passava ser aquele que fazia o tempo todo algo pelo ser amado. Mesmo não fazendo nada. Mesmo apenas fumando e escrevendo versos em silêncio na presença do adorado. E quando só, fumava e fazia versos à memória de quem partiu.

Quando alguém lhe fazia falta o poeta acendia o cigarro, tão logo, a pessoa lhe fazia cigarro. Quando o poeta não fumava mais na presença ou à memória de alguém era porque já não lhe fazia mais falta. A pessoa já não fazia cigarro.

Ao poeta, quando a pessoa fazia cigarro, vinha um desejo de escrever belas palavras que pudesse preencher um vazio no peito de outro que o lesse e este outro acendesse um cigarro. A maior tormenta da vida do poeta era de que seus poemas parassem de fazer cigarro.

Certa vez, pouco antes da morte, escreveu no leito o poeta, fumando seu último cigarro:

Ao meu último cigarro:
Que tu faças, meu último cigarro, deste meu resto de alma
uma brasa eterna.
Que não apagues contigo este poema,
que sejas tu o cigarro nunca apagado,
nem mesmo com meu último suspiro.
E que seja este um poema inacabado.
Que quando eu não tiver mais forças para te fumar,
que me fumes tu, meu último cigarro,
e escreva à minha memória belos poemas de ausência.



 
Everton Souza

Everton Souza

Freelancer Sem Fronteiras. Tecnologia do Blogger.