Eu sempre
tive admiração enorme por viajantes. Na minha infância provinciana a maior
fantasia era imaginar a vida de mascates, trupe de circo e ciganos que passavam
por minha cidade. Eu me imaginava viajando com
eles, como eles. Mais tarde descobriria o prazer de viajar só, mas com rumo. Ouvir
o chamado dos lugares que gostariam de mostrar sua beleza para mim.
A minha
família viajava com frequência, mas nunca íamos muito longe. Adorava acompanhar
meu pai com o caminhão pelas estradas de terra sul-mato-grossense visitando
chácaras e fazendas. Tios e avós estavam distribuídos em lotes e cidades do
estado, e eu gostava de visitá-los. Mas nunca passava mais que duas noites
confortável. Gostava mesmo era da estrada, não da estadia. Eu me condicionei a
um território seguro, mesmo gostando do incerto.
Os mochileiros
vieram bem depois na minha vida. Admiro-os. Leio relatos de viagens. Viajo com
fotos. Marco lugares que gostaria de conhecer. Inspiro-me com On the Road e Viajante
Solitário, não à toa Jack Kerouac tornou-se meu autor predileto. Sempre planejei
planejar uma viagem espetacular para conhecer lugares novos, conhecer ao menos
o mar. Mato Grosso do Sul não tem mar. Mas eu tinha prioridades, como estudar,
trabalhar, depois viajar e conhecer lugares novos. Na verdade eu estava me
agarrando mais ao seguro e evitando o incerto.
Eu fiz uma Road
Trip no final de 2013 com dois primos, mas cruzamos o nosso próprio estado. E
fui parar na Bolívia, lugar que já tinha ido outras duas vezes. Nada de novo. Embora
sempre maravilhoso revisitar o Pantanal.
Algumas
pessoas pensam que sou aventureiro, viajante e tudo aquilo que eu admiro e
gostaria de ser. Mas, às vezes, a paixão que temos por algo faz com que pensem
que o somos.
Algumas coisas
muito tristes e outras que taxariam como felizes ou milagres aconteceram no
começo de 2014 que me fizeram passar metade do ano escondido dentro da minha
caverna com um escudo bloqueando a entrada [e a saída]. Depois de me recuperar
psicologicamente do acidente, eu percebi que o ano não poderia terminar assim. Que
eu deveria fazer algo para que 2014 fosse extraordinário. Afinal eu era, sou,
um sobrevivente. Era preciso fazer algo. Era necessário viver a sobrevivência.
Decidi fazer
o meu primeiro mochilão, conhecer o mar e um estado novo. Tudo de uma vez. E a
partir de agora vocês vão acompanhar o Diário de Viagem do meu primeiro
mochilão, por Santa Catarina.
Eu planejei
sair de Presidente Prudente SP, cidade onde vivo hoje, no dia 23 de Dezembro e
conhecer Joinville, São Francisco do Sul, Penha, Itajaí, Balneário Camboriú,
Bombinhas e Florianópolis em 15 dias, mais ou menos dois dias por cidade. No
final das contas eu conheci: Joinville, São Francisco do Sul, Navegantes, Penha,
um pouco de Piçarras, Itajaí e Balneário Camboriú em 7 dias.
Dia 0:
Partida de Presidente Prudente SP.
Passei um
dia bastante ansioso. Meditei para colocar a cabeça em ordem, para silenciar a
mente. Tem dado certo. Estive ansioso. Acredito ter comprado e providenciado
tudo o que achava necessário para a viagem, mas temo ter excedentes ou déficit
de carga.
Desisti de
última hora de levar o longboard, já tenho uma mochila pesada. Vou para cidades
que têm alto número de turistas. Preciso facilitar a locomoção. Espero não me
arrepender. A mochila é enorme, são 65L de roupas, remédios, e itens para
acampamento.
O William,
meu amigo, ofereceu carona até a rodoviária, um alívio, já começo economizando
o taxi. Ele é um bom homem, o William. No caminho tomamos um café numa
cafeteria que tem registrado minhas despedidas e por isso não gosto de ir com
freqüência lá, por melhor que seja. Chove.
Rodoviária
lotada. Sem atrasos, o ônibus partiu no começo da noite. Uma vizinha de
poltrona jovem, bonita e muito educada facilitou para que a viagem fosse
agradável. “É horrível viajar com quem não se ama”- Hemingway. As paradas não
foram tantas ou tão demoradas. Li Jack London, O Chamado da Floresta, excelente
livro. Dormi e descansei o suficiente para chegar inteiro na primeira parada da
minha aventura.
Dia 1:
Joinville SC, 700 km de casa.
Cheguei a
rodoviária de Joinville, meu primeiro destino na jornada do mochilão por Santa
Catariana, doze horas depois do embarque. Um amanhecer de 24 de dezembro. Garoava.
Eu estava ansioso. Precisava desacelerar e sabia disso. Fui caminhando até a
pousada, que não deveria ser muito longe. Precisava economizar. Amador, me
perdi. Sob orientação cheguei, o dobro da distância depois. Ter me perdido foi
bom, de tudo eu observava um pouco de como a cidade funcionava.
Fiz check-in
de uma diária e meia e com isso garanti o café da manhã de dois dias, banhos de
dois dias e uma noite toda de descanso. Saiu mais barato do que acampar, neste
caso. Foi um achado no Booking.com o Hotel Trocadero, fica a dica.
Fui caminhar
pela cidade, com um guia de mão que me mapeava os pontos que eu já tinha
programado de conhecer. Uma cidade plana, limpa e com pessoas educadas facilita
a vida de qualquer viajante com pouco dinheiro.
Conheci o Parque
Zoobotânico, a rua das Palmeiras, e, por fora, o Museu da Imigração e
Colonização, o Museu da Bicicleta e a Estação da Memória. Tudo estava fechado
pela véspera de Natal, menos o comércio diurno. A noite nem mesmo a Via
Gastronômica, Visconde de Taunay, onde estava hospedado, abriu. A cidade fechou
para o Natal.
Joinville é
a cidade das bicicletas e a cidade dos príncipes. Mas eu não vi muitas bikes
circulando pelas ruas, muito menos consegui alugar uma. Mas os príncipes
existem, embora nenhum dos que conheci fosse nativo. Tenho para mim que na
ausência infinita do verdadeiro Príncipe de Joinville, a cidade clama pelos
jovens nobres, que caem no charme da cidade e ficam por lá. Um dos príncipes
que eu conheci tem uma alma nobre, trabalha para conseguir realizar o sonho de se
formar em medicina, e deseja quando formado, viajar, conhecer lugares, explorar
o mundo, é um jovem de Rio Grande do Sul que o Universo levou para Joinville,
mesmo que de passagem. Às vezes é necessário sentir-se parado para saber que se
está em movimento. Ele está em movimento.
30h depois
do desembarque eu fiz check-out e parti rumo à segunda parada da viagem.
Parque Zoobotânico |
Parque Zoobotânico |
Parque Zoobotânico |
Prefeitura de Joinville |
Rua das Palmeiras |
Museu Nacional de Imigração e Colonização |
Museu Nacional de Imigração e Colonização |
Estação da Memória |
Estação da Memória |
Jantar do dia 24 de Dezembro em Joinville |
Partida de Joinville ruma a São Francisco do Sul |
Dia 2: São
Francisco do Sul SC, 750 km de casa.
A ilha de
São Francisco do Sul é a terceira cidade mais antiga do país. Fui de ônibus. Sai
ônibus com frequência de Joinville para lá. Desci no centro velho. Conheci uma
senhora alemã no terminal rodoviário, enquanto esperava pelo circular até
Ubatuba (uma falha de turista, eu desci no ponto errado, meu primeiro ônibus
tinha como ponto final a praia da Enseada, que é do lado de onde acamparia),
ela costumava ser governanta de nobres na Europa, e fez isso por 15 anos.
Acampei a três
quadras do mar, no Tony Camping, um lugar incrível, com boa estrutura que deixa
mal acostumado um campista amador, como eu. As 15h de 25 de Dezembro eu estava
acampado pela primeira vez. Conheci o mar em um dia nublado.
Caminhei
bastante pela areia, reconhecendo território, entendi os pontos me maior e
menor movimento. Conheci a região do Ubatuba e Enseada no primeiro dia em São
Francisco do Sul. Pessoas gentis vivem nesta ilha.
De volta ao
acampamento no começo da noite, eu conheci um casal de aventureiros de Londrina
PR, que estava acampado na barraca ao lado da minha. Pessoas boas. Viajantes
apaixonados.
Conheci o mar em um dia nublado |
Dia 3: São
Francisco do Sul SC, 750 km de casa.
Madruguei,
saudei o sol e o mar com Surya Namaskar, corri 10 km na areia da praia. Uma vibração
incrível emanava do mar. Como Francine já havia me alertado “É uma entidade, o
mar”.
O sol
brilhou em sua magnitude nesse dia. Conheci, junto com o novo casal de amigos
londrinos, o Forte Marechal Luz fundado em 1890 para proteger a costa de
invasões, é um lugar incrível o Forte. Construções potentes em um período com
tão pouco recurso de máquinas. Como somos preguiçosos hoje. Vale a pena cada
centímetro de subida e apreciação. Como é belo ver o mar de cima.
A praia do
Forte é tão linda quanto vazia de turistas. Foi numa praia pouco movimentada e de
água calma onde entrei pela primeira vez no mar.
No mesmo dia
conheci a Prainha, o recanto dos surfistas. De água brava. O mar dançava e
oferecia inúmeras possibilidades para os seus amantes de pranchas. Ali, naquele
dia, naquele lugar, eu me dei conta de que estava onde deveria estar, e não
importava o que mais conheceria durante a viagem, eu já tinha visto o que
deveria ver e recebido a mensagem.
Levantei
acampamento no outro dia cedo. Peguei circular até o centro, estava me
despedindo de São Francisco do Sul. Poderia passar o resto da minha vida ali.
Mas precisava continuar o roteiro, havia muito que conhecer ainda.
Na manhã do quarto
dia eu estava esperando um ônibus para a rodoviária de Joinville, de onde iria
para Itajaí, no ponto conheci Gabriel, residente em São Francisco do Sul que
estava de viagem para visitar o pai. Gabriel exemplificou o que já estava
percebendo desde o começo da viagem: as pessoas não escolhem onde viver, a
cidade escolhe quem viver. Gabriel pode ir para onde quiser, mas sempre viverá
gentil, amável, como são todos que encontrei com São Francisco do Sul. Fazendo uma releitura de John Phillips, “If
you’re going to San Francisco, you’re gonna meet some gentle people there”.
O mar visto de cima |
Forte Marechal Luz |
Praia do Forte, São Francisco do Sul |
Praia da Enseada, São Francisco do Sul |
Prainha, São Francisco do Sul |
O dia em que entrei no mar |
Dia 4: Balneário Piçarras, Penha
Eu não
consegui passagem direto para Balneário Piçarras e precisei ir para Itajaí para
de lá ir para Piçarras. Já estava um caos o litoral catarinense. Muitos
turistas chegando e outros partindo. Movimento intenso nas rodoviárias e na
rodovia. Foi um dia cansativo de esperas, atrasos e estrada. No quarto dia de
viagem eu me dei conta do excesso de bagagem. A mochila pesou com toda a
ganância por conforto que eu carregava nas costas.
Hospedei-me
em Penha no final do dia na casa de Marcela, a bailarina mais bonita do Brasil,
uma amiga-irmã.
Dia 5: Penha
e Navegantes SC, 753km de casa.
Pela manhã,
depois do café, eu conheci a praia de Navegantes, junto com Dulce, outra
bailarina, senhora de si, mãe de Marcela, fizemos Surya Namaskar, mergulhamos e
caminhamos a orla, descompromissados, vivendo aquele dia de sol, e foi bom.
Replanejei muita coisa na minha mente caminhando pela orla. A tarde choveu. E
vivi um momento gostoso na presença das mulheres anfitriãs durante a janta.
Marcela e Dulce são aventureiras e inteligentes, o que facilita o diálogo e a
convivência, são do tipo de pessoas que Hemingway descreve como “aquelas poucas
que eram tão boas quanto a própria primavera”.
No dia
seguinte eu consegui uma carona para Itajaí e Balneário Camboriú.
Navegantes, SC |
Dia 6:
Itajaí, Balneário Camboriú SC, 760 km de casa.
Passei pelo
centro de Itajaí, e fiquei algumas horas por lá, mas não acampei e só conheci a
praia Brava. O dinheiro já estava pouco e não poderia esperar o movimento
piorar para entrar em Balneário Camboriú. Eu já senti uma energia pesada e um
fluxo de euforia naqueles dias que precediam a virada do ano. Estava com
saudades de São Francisco do Sul.
Acampei em
um Parking na Avenida Brasil a uma quadra da praia. A localização facilitou
muito, mas o lugar não é adequado para camping. Pessoas sebosas estavam
acampando ali, a higiene dos banheiros comunitários refletiam isso.
Comparado
com São Francisco do Sul, o mar era capitalizado na praia Central em Balneário
Camboriú, um mar de pedras disputa espaço na orla. A visão é urbanamente linda.
Praias
lindas estão mais distantes do centro, mas eu não poderia ir muito longe disputando
espaço com tantos turistas a essa altura da viagem. Conheci as praias do Canto
e do Buraco e a praia Brava (Itajaí SC). Lugares maravilhosos.
Itajaí SC |
Itajaí SC |
Praia Brava, Itajaí SC |
Praia Brava, Itajaí SC |
Dia 7:
Itajaí, Balneário Camboriú SC, 760 km de casa.
Descansado e
menos estressado eu corri 5km na orla da praia central e nas praias do Canto e
do Buraco.
Vivi em
Balneário Camboriú o nascer do sol mais lindo da minha vida, nas praias do
Canto e do Buraco. Foi o primeiro Surya Namaskar que senti receber uma saudação
de volta do sol, como quem dissesse: “Ei, calma, não se estresse, todos esses
que aí estão, mesmo dentro de suas pedras, clamam por liberdade, estou aqui
para libertá-los”. O mar parecia concordar.
Depois de
uma tarde em Itajaí, na praia Brava, eu voltei para Balneário Camboriú,
desmontei meu acampamento e na noite de 30 de dezembro eu já estava na
rodoviária, passagem para passar a virada do ano longe do tumulto.
Praia Central, Balneário Camboriú |
Praia Central, Balneário Camboriú |
Praias do Canto e do Buraco |
O nascer do sol mais lindo da minha vida, nas praias do Canto e do Buraco. |
Balneário Camboriú SC |
Cristo Luz, Balneário Camboriú |
Dia 8: Mato
Grosso do Sul
18h depois,
dia 31, estava em Bataguassu MS, na casa dos meus pais, curtindo a família e
descansando para receber 2015.
Resumo
Foi uma
viagem incrível. A primeira vez que me aproximo de fazer um mochilão, talvez
tenha sido um mochilão. É que tenho visto pessoas viajarem para sempre, eu
voltei tão cedo. E queria voltar cedo. Entre ônibus e carona, pousada e
acampamentos, eu vivi um Estado novo, estive pela primeira vez com o mar,
conheci pessoas novas. Santa Catarina vale a pena ser vivido.
Nos últimos
dias da viagem o estresse por estar sem conforto num lugar tão movimentado e
cheio de oportunidades me fez perceber que eu preciso planejar melhor as minhas
próximas aventuras: A bagagem pode ser quebrada pela metade; Só farei mochilão
e acampamento em lugares pouco urbanizados; Conhecer lugares movimentados e
muito urbanos só com carro e reserva de hostel ou pousada, nada de acampar.
No mais,
valeu cada segundo. Vivi cada segundo.